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Na reta final do Campeonato Brasileiro, a luta contra o rebaixamento conta com clubes que passaram, neste ano, pro problemas para mandar os jogos com público dentro de casa. Vasco, Santos, Cruzeiro e o já rebaixado Coritiba foram obrigados, ao longo da competição, a jogar de portões fechados ou até mesmo longe de casa. Mas uma decisão do Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) chamou a atenção nesta reta final de Brasileirão. E, de forma equivocada, de acordo com especialistas, acabou beneficiando o Santos.

Em setembro, o Santos foi punido com a perda de dois mandos de campo, além de multa de R$ 36 mil, por uma série de arremessos de objetos no gramado durante a partida contra o Grêmio, na Vila Belmiro, válida pela 20ª rodada do Brasileirão. Em julgamento da 4ª Comissão Disciplinar do STJD, o Peixe foi enquadrado no artigo 213, que fala em “deixar de tomar providências capazes de prevenir e reprimir lançamento de objetos no campo”.

Em seguida, o Santos recorreu da decisão para tentar uma diminuição da pena e conseguiu um efeito suspensivo, para seguir jogando em casa, e com público, até que o caso fosse julgado pelo Pleno. E, então, veio o ponto polêmica. Em outubro, o Santos conseguiu uma transação disciplinar para transformar a perda dos dois mandos de campo em uma multa de R$ 150 mil (R$ 75 mil por casa jogo). O valor foi dividido: metade foi para a CBF e a outra parte foi dividida em doações para cinco organizações sociais (R$ 15 mil para cada).

No entanto, de acordo com o artigo 80-A, que trata sobre a “transação disciplinar”, este instrumentos só pode ser aplicado em alguns casos específicos. E, nestas situações, não se enquadram os clubes punidos no artigo 213, o caso do Santos. A transação disciplinar pode ser usada em casos menos graves, como punições por atraso no começo da partida ou na volta do intervalo e infrações relativas à arbitragem.

O Santos teve o acordo homologado pelo Pleno do STJD no dia 20 de outubro e o clube tinha 30 dias para fazer o pagamento dos R$ 150 mil. Santos foi punido pelo arremesso de objetos no gramado durante partida contra o Grêmio (Foto: Icon sport)

Especialistas criticam decisão do STJD

A transação disciplinar acabou livrando o Santos de disputar dois jogos de portões fechados ou até longe da Vila Belmiro, também sem público. Além disso, não houve julgamento no Pleno do Tribunal, o que também poderia aumentar ou diminuir a pena. Especialistas em direito desportivo consultados pela Trivela criticaram a decisão do STJD em usar a transação disciplinar no caso do Santos.

– Ela (transação disciplinar) não é admitida para todos os casos. Ela é admitida para infrações que têm um baixo potencial ofensivo. Então, um exemplo da admissão da infração é justamente quando você tem atraso para começar a partida, que está no 206. Então, no caso do 213, não é admitida a transação disciplinar. Isso em teoria, isso no Código Brasileiro de Justiça Esportiva – afirmou advogada Fernando Soares, especialista em direito desportivo.

– Não poderia. Esse tipo de coisa é muito frustrante porque o CBJD é muito claro nesse sentido. A própria criação da transação é similar a transação que existe no Direito Penal. Foi pensado em crimes de baixo potencial ofensivo, são penas alternativas. A ideia foi trazer isso pro direito desportivo, igual o atraso de dois minutos na súmula. Eu não consigo explicar porque o STJD faz essas coisas. O 213 não é de menor potencial ofensivo. Estamos falando de invasão de campo, desordem… Aí a gente fala de combater a violência nos estádios, cenas lamentáveis, e aí você vai fazer transação no 213, que é justamente o artigo que pune esse tipo de coisa? Se você está fazendo transação, está dizendo que é de menor potencial ofensivo. Não faz sentido. Desanima o Tribunal fazer isso. O CBJD não permite e pela natureza da transação disciplinar não faz sentido. Pode ser que o Tribunal decida fazer isso de novo. É frustrante – completou Fernando Soares.

Especialista diz que decisão ‘foge da norma’

Para Higor Maffei Bellini, presidente da Comissão de Direito Desportivo da OAD Butantã, a decisão que acabou beneficiando o Santos foi equivocada. De acordo com o especialista, a ideia da transação é de que não se tenha um condenação – o que já havia acontecido com o Santos na 4a Comissão Disciplicar.

– Não caberia fazer essa transação quando já aconteceu a condenação. A transação deveria ter sido efetuada antes da condenação, porque o objetivo dessa transação disciplinar é justamente que não aconteça uma condenação ou que o processo siga. Fazer a transação após a condenação foge do instituto dela – afirmou Maffei, antes de completar.

– São casos específicos que trata da possibilidade de transação. A interdição de arena desportiva, no 213, não está contemplada. Essa transação feita pelo Santos não obedece os objetivos estabelecidos no próprio CBJD para a existência da transação disciplinar. Parou de ser a punição de jogar com portões fechados para uma punição em dinheiro, o que também foge ao objetivo da norma. Por tudo isso, me parece equivocada essa decisão, essa transação disciplinar feita pelo Santos – completou o especialista em direito desportivo.

O que diz o CBJD sobre a transação disciplinar?

No Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD), a “transação disciplinar” é tratada como um “procedimento especial”. Veja o que diz o artigo 80-A, que trata deste instrumento.

Art. 80-A. A Procuradoria poderá sugerir a aplicação imediata de quaisquer das penas previstas nos incisos II a IV do art. 170, conforme especificado em proposta de transação disciplinar desportiva apresentada ao autor da infração. (Incluído pela Resolução CNE nº 29 de 2009).

§ 1º A transação disciplinar desportiva somente poderá ser admitida nos seguintes casos: – (Incluído pela Resolução CNE nº 29 de 2009).

I – de infração prevista no art. 206, excetuada a hipótese de seu § 1º; (Incluído pela Resolução CNE nº 29 de 2009).
II – de infrações previstas nos arts. 250 a 258-C; (Incluído pela Resolução CNE nº 29 de 2009).
III – de infrações previstas nos arts. 259 a 273. (Incluído pela Resolução CNE nº 29 de 2009).

STJD está ‘flexibilizando’ decisões, diz procurador

Em contato com a Trivela, o procurador do STJD Ronaldo Piacente disse que o STJD está ‘flexibilizando’ a possibilidade de transação disciplinar, mesmo em casos em que, pelo CBJD, este dispositivo não poderia ser aplicado, como criticaram os especialistas ouvidos pela reportagem.

– O Tribunal tem flexibilizado a possibilidade de transação, mas sempre depende de cada caso em concreto – afirmou Piacente à Trivela.

A Trivela também pediu um posicionamento da assessoria do STJD, mas não obteve retorno até a publicação da reportagem.

Santos era reincidente no artigo 213

Esta não havia sido a primeira vez em que o Santos foi punido no artigo 213 neste Campeonato Brasileiro. Em julho, o Peixe foi condenado a oito jogos sem mando de campo pelo STJD pelos incidentes ocorridos na partida contra o Corinthians, na Vila Belmiro, em junho, quando o jogo, inclusive, foi encerrado antes do previsto.

O Santos entrou com efeito suspensivo e conseguiu diminuir a pena para quatro jogos de portões fechados. Assim, continuou jogando na Vila Belmiro, mas sem público. O primeiro jogo com presença de torcedores foi justamente contra o Grêmio, em agosto, quando aconteceram os novos incidentes que geraram a segunda punição.

Na ocasião, contra o Grêmio, o árbitro Paulo Cesar Zanovelli da Silva relatou na súmula três episódios de objetos arremessados no campo. No primeiro, um copo foi arremessado na direção do goleiro Gabriel Grando, do Grêmio. Depois, foi arremessada uma placa de gesso quebrada na direção dos jogadores dos dois clubes, mas ninguém foi atingido. No fim do jogo, um copo com um líquido amarelo também foi jogado no gramado e o líquido atingiu o assistente Luanderson Lima dos Santos.

Vasco, Cruzeiro e Coritiba também já foram punidos pelo STJD

Durante este Campeonato Brasileiro, outros clubes também foram punidos pelo STJD com a perda de mando de campo. Em junho, o Vasco também foi punido no artigo 213 com a perda de oito mandos de campo pela confusão em São Januário na partida contra o Goiás, no fim de junho. Depois, o clube recorreu e a pena caiu para quatro partidas. No entanto, o Cruz-Maltino ainda sofreu com a interdição do estádio para o público por uma decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. São Januário ficou fechado para o público por mais de 80 dias e só foi liberado após o clube assinar um Termo de Ajustamento de Conduta com o Ministério Público.

Recentemente, Cruzeiro e Coritiba também foram punidos preventivamente por uma confusão generalizada entre torcedores dos dois clubes durante partida realizada na Vila Capanema, no começo de novembro. A Raposa chegou a jogar sem público contra o Vasco, no Mineirão, mas, depois, os dois clubes conseguiram a liberação do público, com algumas restrições contra as torcidas organizadas. O julgamento de Cruzeiro e Coritiba estava marcado para a última segunda-feira, mas foi adiado para a próxima segunda (4).

Desses quatro clubes, o Coritiba já foi rebaixado para a Série B, enquanto os outros três seguem na luta para se salvar. Apenas dois pontos separam Cruzeiro, Santos e Vasco. A Raposa, que tem um jogo  menos, é a 14ª colocada, com 44 pontos. O Santos (15º) tem 43 e o Vasco (16º) tem 42, um ponto a mais que o Bahia, o primeiro time dentro da zona de rebaixamento do Campeonato Brasileiro.

Fonte: Trivela